SO2 DE FULVIA 2010 TESTADO NA SUÍÇA

TEOR DE SO2 DE FULVIA 2010 É TESTADO NA SUÍÇA

A sommelière paulistana Karen Ferrari acompanhou a vindima 2013 junto a uma família de vinhateiros da Suíça italiana. Sem que eu soubesse (pois mal a conhecia) levou uma garrafa de Fulvia 2010 na bagagem, aberta durante uma refeição à mesa de seus anfitriões. Segundo Karen, a degustação encantou os suíços. O enólogo da casa, intrigado pela menção “sem sulfitos”, analisou o vinho em laboratório e vociferou: “SO2 ZERO! O vinho não contém sulfitos!”
O que para mim não representou novidade, quando confirmado pelo rigor técnico dos suíços apenas legitimou a honestidade que consta como um dos três pilares formadores da divisa do Atelier: Ars, Ardor, Honor.

Karen Ferrari acompanha a vindima 2013 na Azienda Agricola Bianchi, Arogno, Ticino, Suíça
Karen Ferrari acompanha a vindima 2013 na Azienda Agricola Bianchi, Ticino, Suíça

“Este vinho me tocou particularmente. Primeiro porque pude descobrir que também no sul do Brasil se fazem bons vinhos. Segundo, porque depois de o ter degustado constatei [em laboratório] que o SO2 livre era 0 mg/L, o que quer dizer que trabalhou-se bem e com respeito.”


Gabriele Bianchi
(Enólogo pela École d’Ingénieurs de Changins, Suíça)
Azienda Agricola Bianchi

Gabriele Bianchi analisando o teor de SO2 de Fulvia Cabernet-Franc 2010
Gabriele Bianchi analisando o teor de SO2 de Fulvia 2010

O mundo do vinho não cessa de colocar pessoas interessantes em nosso caminho. E nada mais interessante que as pessoas capazes de transformar a própria realidade. E nada transforma mais a própria realidade que viajar, expor-se ao extremo, ao estranho, à intempérie. Em 2013 recebi essas fotos ilustrando o relato de Karen Ferrari, sommelière e consultora de vinhos, e pensei que esta história merecia ser compartilhada.

Um jantar na Suíça. Mesa dos Bianchi com tiramisù ao fundo. Foto: Karen Ferrari
Um jantar na Suíça. Mesa dos Bianchi com tiramisù ao fundo

Karen Ferrari ficou encantada pelo Cabernet-Franc que conhecera através de nossa amiga comum, Sonia Denicol. Quando a contemplação de um vinho nos incita a procurar seu produtor é o prenúncio de uma admiração sincera, e de uma certa conexão. Na época informou estar partindo para algum lugar do Cáucaso, não lembro bem onde. Num segundo ou terceiro contato disse estar de partida para a Suíça, onde acompanharia a vindima junto a uma família de vitivinicultores proprietários de um vinhedo orgânico no Ticino, cantão suíço de língua italiana. De súbito me dançaram no espírito, no baile das remembranças, as fotos que fiz dos vinhedos amarelos de outono, em Lausanne, às margens do Lago Léman, ao visitar a Suíça pela primeira vez, com 22 anos. O que Karen não revelara nesses contatos é que, na mala, levaria uma garrafa de Fulvia 2010 – a exemplo de outros formadores de opinião que, com entusiasmo, carregam nossos vinhos pelo mundo afora, um pouco como Dionysos, em seu barco, errando ao longo do Mediterrâneo e propagando a vinha por lugares tão distantes quanto o Egito e a Síria. 

Bellinzona (Ticino, Suíça italiana), 13.11.1988
Gabriele Pescador (direita) e Marco Danielle (esquerda) - Bellinzona, Suíça, 13.11.1988

Karen esteve em visita à família Bianchi, dos poucos vinicultores suíços com certificação “Bio Suisse”. Começaram certificando seu mel e outros produtos orgânicos da fazenda, e o vinho não pôde escapar desse espírito, dessa opção de vida. Mas como todos sabemos, as certificações orgânica e biodinâmica permitem a adição de sulfitos e a maior parte dos vinhateiros orgânicos não ousa contrariar as normas da enologia moderna. Dia 29 de setembro de 2013, Karen Ferrari abriu uma garrafa de Fulvia Cabernet-Franc 2010 em Arogno, comuna suíça do Ticino, e um vinho brasileiro regou o jantar na casa dos Bianchi. No dia seguinte Karen me escreveu entusiasmada dizendo que a família ficara encantada com o caráter do vinho e com a idéia de que possa ter sido feito sem adição de sulfitos (SO2). Gabriele Bianchi, o filho mais velho, estudava enologia na École d’Ingénieurs de Changins, em Nyon, cantão suíço francofone de Vaud. Intrigado e incrédulo com a história do Franc brasileiro “senza solforosa aggiunta”, separou uma amostra do vinho e fez ele mesmo a análise de SO2, em laboratório. Nossa destemida repórter acompanhou e fotografou o procedimento. Surpreso, Gabriele revelou o resultado: o vinho marcara zero SO2 e ele gostaria de entrar em contato comigo para desvendar o mistério de como um vinho poderia ser, ao mesmo tempo, bom e sem sulfitos. Essa história, tão insólita quanto inusitada, me arrancou um sorriso fraterno frente à espontaneidade do jovem enólogo. Na contramão da enologia moderna, sempre acreditei que Engenharia e Vinicultura formassem uma péssima combinação, e, de súbito, sobreveio um impulso [que contive] de aconselhar o rapaz a abandonar um a Engenharia e mergulhar na Vida – quando o assunto é vinho.

Gabriele Pescador (esquerda) e Marco Danielle (direita) - Bellinzona, Suíça, 13.11.1988

Esforçando-se para escrever em português, Gabriele me contatou atrás de maiores informações sobre os ditos cujos vinhos “zero”. Deixando-o ainda mais intrigado que ficara ao saber que no Brasil se faz vinho, respondi em italiano, lembrando que no Brasil também se faziam italianos. Anexei estas fotos em que apareço numa paisagem a 40Km de Arogno, localidade dos Bianchi. Informei-lhe algo que Karen não sabia: que poderíamos nos comunicar em sua língua, pois além de brasileiro sou também cidadão italiano e meus antepassados vieram de uma região não muito longe da sua. Mundo pequeno, este.

Gabriele Pescador e Marco Danielle - Bellinzona, Suíça, 13.11.1988
Despedida da Suíça. Estação Ferroviária de Bellinzona, 14.11.1988

Quando fiz essas fotos em Bellinzona, Suíça, era um adolescente curioso viajando pela Europa de mochila. Embora tenham me oferecido vinhos de mesa todos os dias nos encontros do Instituto Veneto, pois a primeira parte da viagem foi a convite daquela entidade cultural, ou à mesa dos parentes distantes visitados, ainda não tinha o hábito da bebida e nem de longe imaginava um dia fazer vinho, ou mesmo que voltaria, tanto tempo depois, a receber notícias do Ticino graças ao vinho. Sigo percebendo na vinicultura essa coisa mágica, esse elo entre as pessoas e histórias. Obrigado, Karen Ferrari, por esse passeio no tempo.


Arogno, 13.11.2013

Ecco il mio commento sul vino Fulvia [Cabernet-Franc 2010]:

colore: intenso con sfumature violacee, granate
naso: fruttato con sfumature che vanno dal cassis alla prugna matura, si percepiscono anche note di spezie e una piacevole barrique
bocca: buona acidità, buon equilibrio in generale, trovo che sia un vino che sta arrivando al suo apice, dunque giusto da bere, una bella complessità aromatica, media-buona intensità, finale medio-lungo. 

Questo vino mi ha particolarmente colpito perché ho potuto scoprire che anche nel Sud del Brasile si fanno dei buoni prodotti e secondariamente perché dopo la degustazione ho constata che la SO2 libera era a 0 mg/l il che vuol dire che si é lavorato bene e con rispetto… 

Spero ti poter visitare il suo domaine e ti poter conoscerla personalmente… 

Un grande saluto,
Gabriele Bianchi Strada da Röv 24
6822 Arogno
076 273 20 50
www.aziendagricolabianchi.ch