DE CANELA PARA O MUNDO

Minha trajetória como produtor de vinhos inverte a máxima de Tolstoi, parafraseando, “conquista tua aldeia e conquistarás o mundo”. Tornei-me relativamente conhecido no meio do vinho nacional mantendo o anonimato em minha aldeia. Em busca de sossego, optei por manter-me invisível no local onde vivo, e essa desejada invisibilidade perdurou por longos anos. Até que um repórter tão inquieto quanto eu, recém aportado no vilarejo após ter passado por 30 países, lançou um olhar cosmopolita sobre as coisas e gentes que viu por aqui. Vindo de fora e dotado de uma percepção que apenas quem perambulou pelo mundo costuma ter, Mariano Grant escreveu este artigo imbuído de um entusiasmo campanilista que, paradoxalmente, jamais encontrei entre os nativos do local, que, em geral, seguem à risca o preceito de que “santo de casa não faz milagre”. Mas essa não é uma tendência meramente provinciana, trata-se de um complexo estrutural, inculcado no âmago da nação desde os primórdios coloniais, primeiramente por leis, depois por hábito. Primeiramente vieram os decretos que proibiam a produção de vinho na colônia para atender aos interesses comerciais da corte portuguesa. Quinhentos anos depois, esse reflexo colonialista segue beneficiando outras cortes e em detrimento da nossa: um grande vinho só pode ser grande se for estrangeiro. Essa mentalidade, que o jornalista brasileiro Nelson Rodrigues em 1958 chamou “complexo de vira-lata” e descreveu como “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”, atrasou a vinicultura local cerca de meio século em relação ao resto do Novo Mundo. A baixa autoestima que faz nossos concidadãos cultuarem apenas o que vem de fora explica que o vinho brasileiro hoje represente meros 15% do consumo interno, e que a imprensa dita especializada trate com certo desdém a revolução conceitual e qualitativa no setor, que vem tomando nas duas últimas décadas.

Mas sempre teremos brechas, e esta iniciativa do repórter Mariano Grant, em 2013, mostra que alguns segmentos da imprensa começam a apontar a lanterna para tal revolução. Três anos depois da publicação abaixo, em 2016,  fomos contatados por Zero Hora, o maior jornal do sul do país, para uma matéria de quatro páginas no caderno DOC, um suplemento de cunho histórico dentro do jornal, com objetivo de arquivo documental. Foi uma reportagem densa, que implicou três meses de entrevistas e resultou num raio x completo do Atelier, abordando desde a biografia de seu fundador aos motivos que o levaram a produzir vinhos, bem como a trajetória da vinícola e suas conquistas até 24 de dezembro de 2016 – data em que a edição foi às bancas.

Assim, aos poucos, o renascimento da vitivinicultura brasileira foi ganhando atenção no país e no exterior.  Paradoxos da aldeia, o trabalho do repórter Mariano Grant, que temos o prazer de compartilhar abaixo, foi a mais completa e precisa matéria já feita sobre o Atelier até julho de 2013, data da saída em bancas. Muito obrigado, Mariano, pela atenção, interesse e tempo dedicados em sua pesquisa. Meus cumprimentos pela verve literária e pela capacidade de síntese.  A única ressalva é uma pequena errata sobre nossa relação com a imprensa local: embora jamais tão brilhantes, tivemos reportagens anteriores na imprensa gaúcha – notadamente uma agradável entrevista para o Jornal das Sete da Rede Globo, em 2006.

                                                                Marco Danielle, 2016
                                                                (texto revisto em 2022)